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O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual.
O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia
precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne.
Muitos clérigos, dos outros, deixaram-se contaminar pela devassidão.
As mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo
esfregar-se nas pernas desses que, supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente
ou um caco de espelho.
...Nos primeiros tempos de Brasil o amor foi só o físico; com gosto só de carne, dele
resultando filhos que os pais cristãos pouco se importaram de educar ou de criar à
moda européia, ou à sombra da Igreja. Meninos que cresceram à toa, pelo mato; alguns
tão ruivos e de pele tão clara, que, descobrindo-os mais tarde a eles e a seus filhos
entre o gentio, os colonos dos fins de século XVI facilmente os identificaram
como descendentes de normandos e bretões.
A mulher gentia (aquele que não é civilizado; selvagem) temos que considerá-la
não só a base física da família brasileira, aquela em que se apoiou, robustecendo-se
e multiplicando-se a energia de reduzido número de povoadores europeus,
mas valioso elemento de cultura, pelo menos material, na formação brasileira.
Por seu intermédio enriqueceu-se a vida no Brasil, como adiante veremos, de uma série
de alimentos ainda hoje em uso, de drogas e remédios caseiros, de tradições ligadas
ao desenvolvimento da criança, de um conjunto de utensílios de cozinha, de processos
de higiene tropical - inclusive o banho freqüente ou pelo menos diário, que tanto deve
ter escandalizado o europeu porcalhão do século XVI.
Ela nos deu ainda a rede em que se embalaria o sono ou a volúpia do brasileiro;
o óleo de coco para o cabelo das mulheres; um grupo de animais domésticos amassados
pelas suas mãos.
Da cunha é que nos veio o melhor da cultura indígena. O asseio pessoal. A higiene do corpo.
O milho. O caju. O mingau.
O brasileiro de hoje, amante do banho e sempre de pente e espelhinho no bolso, o cabelo
brilhante de loção ou de óleo de coco, reflete a influência de tão remotas avós.
Fonte: Casa-Grande e Senzala, 9º ed., Rio, 1958
Desenho: MIRANHA: Gravura de Spix e Martius, Fundação Raymundo Castro Maya, Rio de Janeiro.
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