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A Cascatinha da Tijuca

A Cascatinha da Tijuca

A Cascatinha da Tijuca



Quadro de Nicolas Antoine Taunay

Quadro de Nicolas Antoine Taunay

Quadro de Nicolas Antoine Taunay



Artigo da professora Shwarcz da revista
Nossa História nº 4, fevereiro 2004.
Lilá Moritz Shwarcz
A Cascatinha da Tijuca, de Nicolas Antoine Taunay
Quadro de exilado político combina o estilo das glórias napoleônicas com a imensidão da natureza nacional nos trópicos.



O pintor francês Nicolas Antoine Taunay, que chegou ao Brasil em março de 1816, pintou por mais de 60 anos e é dono de uma obra imensa.
Durante sua permanência no Rio de Janeiro, até 1820, realizou vários quadros (entre temas bíblicos, mitológicos, históricos, retratos infantis), além de 35 paisagens brasileiras, entre as quais a Cascatinha da Tijuca, hoje em exposição no Museu do Primeiro Reinado, no Rio de Janeiro.

Em seus quadros, a grandiosidade da Revolução Francesa se combinou com a pujança da natureza americana, única maneira de conciliar tão altos valores com a realidade que aqui encontrou. O neoclassicismo se introduzia no Brasil e, na falta de material, técnicas e profissionais, acabava sendo relido: os auxiliares eram escravos, mármores e granitos eram substituídos por materiais menos nobres; as tintas precisavam ser alteradas e a exaltação das virtudes, tão próprias ao estilo, agora se voltavam para essa Corte expatriada.
Era a novidade dos trópicos que se impunha: uma mata bem valia uma catedral, assim como um riacho poderia corresponder a um belo monumento francês.


Assim, embora as telas mais famosas de Taunay versem sobre a cidade de Rio de Janeiro, interessa mais a paisagem, ou melhor, o desafio de estender a natureza e, sobretudo, sua luminosidade. Nesse sentido, A cascatinha da Tijuca é uma espécie de ícone dos anos de estada do pintor no Brasil. Nela, uma espécie de drama dos trópicos se revela.
No entanto, para recuperar a importância que Taunay deu á paisagem é preciso compreender uma certa revivescência do gênero, no início do século XIX.
Existiam, nesse contexto, basicamente duas correntes: de um lado uma determinada literatura costumava ver nos camponeses seres destituídos de cultura; de outro, uma vertente muito frutífera nas artes penetrou nos sentimentos nacionalistas, e entendeu a cultura camponesa como a única autêntica, livre de artifícios - o próprio fundamento de uma civilização.

Naquela época se iniciavam, ainda, os estudos de folclore, ou ao menos tomava espaço uma representação do campo e dos camponeses cuja cultura era considerada moralmente superior à urbana.

Também nas pinturas históricas "reabilitava-se a natureza" . No salão de 1798, em meio às tantas pinturas históricas e às naturezas-mortas, constava uma obra intitulada L´agriculture, de François-André Vincent.
Nessa tela, o trabalho no campo era entendido como uma ocupação nobre e o camponês uma pessoa honesta e digna de respeito.
O trabalhador de Vincent tinha o rosto e o corpo musculosos, tal qual uma personagem da lata Renascença, e sua mão apontada em direção aos bois remontava o exemplo da mão de Deus, na criação de Adão de Michelangelo.

Por contraposição à vida burguesa surgia assim a "natureza" intocada pelos homens.
A imagem do campo servia, didaticamente, para falar dos valores verdadeiros - do trabalho, da piedade, da família unida. Além do mais, esses "artesãos da terra" , como passavam a ser, romanticamente chamados, eram definidos por sua força física, assim como por seus costumes pitorescos: levantavam e deitavam cedo e guardavam seus rituais como se preservassem um segredo esquecido.
Por outro lado, e, sobretudo nesse começo de século, pouco se nomeava o infortúnio-o sublime-, restando apenas a paisagem idealizada.
Ela apareceria como um momento de sinceridade: o sol que ilumina o ambiente, as flores por toda parte, o trabalho dos homens, o exotismo do desconhecido.
Porém, a transposição imediata desse tipo de representação para os trópicos portugueses americanos parecia difícil. Afinal era complicado encontrar na cultura do campo a autenticidade nacional.

Se de um lado, a vegetação era grandiosa e bem cabia nos moldes do gênero; já o trabalho era função menor e restrita aos escravos.
A escravidão aparecia, mesmo, como limite a qualquer cópia fácil e imediata. Só isso, a vegetação será sempre maior que os homens, que surgem diminutos, como detalhes perdidos.
No seu lugar esta o pitoresco da natureza, devidamente inflacionada de forma a reduzir o papel e o lugar da escravidão quase uma cena muda e com certeza passiva.

A Cascatinha da Tijuca tem significado especial dentro da obra de Taunay, não só por conta de seu colorido, como da temática selecionada. Apresenta em primeiro plano e ao centro o próprio artista, com chapéu, paleta e tela, sendo observação por dois escravos, em pé. Além, deles, um cachorrinho, se movimenta, desviando a atenção da situação central da tela. (Veja a foto deste detalhe)
Por sinal, não se sabe ao certo o que o cão faz nessa cena. Talvez fosse apenas uma marca do artista; afinal era reconhecido pelas figuras pequenas e por seus animais.

Mas o cão é ainda uma alegoria da fidelidade, o que bem poderia simbolizar essa qualidade, encontrada em terras do Novo Mundo.

Mas à esquerda um guarda-sol aberto representa o sol do Brasil e a sua luminosidade.
Toda a cena surge emoldurada pela floresta; essa imensa vegetação tropical onde residia o pintor: a propriedade na Tijuca. Coqueiros tomam a cena e se espalham pela tela como a definir uma vegetação sem igual.
Logo atrás vemos uma pequena queda dágua que dá o nome ao quadro, idealizada como se fosse luminosa.
Em segundo plano, ao fundo da tela, à esquerda, um homem aparece montado sobre um burro de carga, acompanhado de um escravo com um instrumento que se assemelha a uma enxada.
Esta última imagem não é muito nítida; surgem somente contornos, pequenas miniaturas que definem a cena, bem ao estilo de Taunay.
À frente, vários burros de carga. È como se o homem sobre o cavalo e o escravo (a pé) estivessem levando os burros para algum lugar, ou representassem o espaço restrito da mão-de-obra nessa colônia da labuta compulsória.
Mas, se o trabalho não pode ser engrandecido, o que mais se destaca é uma visão encantada da natureza. Sem abrir mão de um certo realismo, a tela é idealizada na luz que apresenta e nos trópicos -quase falsos de tão fortes-que procura retratar.

A paisagem americana parece rememorar, assim, a imaginação arcádica e poética; como resgate de um mundo ideal. Nessa tela a figura pequena do pintor contrasta com a imensa natureza representada pela árvore tropical em primeiro plano e pelo panorama enevoado ao fundo.
A árvore assume, até, um plano igualado ao do pintor; aí está uma espécie do Novo Mundo, uma alegoria dos trópicos.
O mesmo ocorre com os animais. È fato que a presença de bichos reitera a destreza artística de Taunay nesse domínio. Como alegoria os bois simbolizam a força e a paciência.
Não obstante os animais pastoris poderiam caracterizar também os trópicos - a paciência que se tinha diante dessa (quase) civilização, assim como a sua "robustez natural" .

A natureza em Taunay não lembra só o debate com a Arcádia. Fala dessa paisagem neoclássica que dialoga agora com o "ambiente natural", sem ser histórico, e muito menos mitológico.
Como define Ana Maria Belos, Taunay parece não estar interessado em apenas representar a paisagem, mas quer antes interpretá-la a partir dos efeitos do contraste luminosos.
A luz retrata o amanhecer, como se marcasse um estado difuso da cor. Um retrato do retrato; uma representação da representação e da dificuldade de representar.

Por outro lado, o pintor vive na tela e na realidade a contemplação da natureza essencial dos trópicos. E a realiza sem rivalizar; é elemento diminuto diante da grandiosidade exterior.

Segundo o critico Luciano Migliaccio, a tela como um todo é um testemunho que comovente do dialogo de Taunay com a majestade da natureza.
Mergulhado na paisagem grandiosa, o artista adquire o aspecto de um herói, concentrado em retratar uma palmeira com os humildes instrumentos de seu oficio.
Dificilmente se poderia expressar melhor o valor da educação pela observação e a emoção diante da voz da natureza. É uma nova nação que nasce na tela.

Diferente das imagens urbanas, nesse caso é o imponderável que se apresenta como representação dói Brasil. A observação do exótico transporta para uma Europa ancestral o efeito pitoresco do Novo Mundo.
Menos do que o lado documentário de colegas, como Debret, nesse exemplo transparece um tributo à natureza difícil do Brasil, em meio qual não se é tanto sujeito como objeto da reflexão: aqui se contempla.

Pode-se dizer que com Taunay a paisagem brasileira vira elemento histórico; exalta-se a particularidade, mesmo modelo é neoclássico.
É essa a posição de Pedro Correia do Lago, que encontra em Taunay uma "surpresa madura" , no confronto entre sua sólida formação com a descoberta da nova paisagem e dos temas inesperados que a natureza brasileira lhe impõe. Mas quais seriam as novidades que os trópicos brasileiros traziam? Afinal, mais do que no mar, a veia Arcádia do artista ambientou-se no retiro da floresta da Tijuca.
Castigado pela luz dos trópicos, Taunay se tornou seu intérprete, apesar dos ruídos nessa interpretação. O que via como realidade era compreendido nos salões de Paris, como excesso; o que admirava na etnografia passava por fantasia sem chão.

Estamos falando, assim, de um "mal-entendido", ou melhor, de um choque de culturas expresso nessa tela. Com Taunay a noção de "natureza verdadeira", a tradição idealizada e pastoril dialoga com a nova realidade da luz tropical e dos personagens diminutos; ainda mais diminutos quando se trata de escravos: quase uma impossibilidade na tela neoclássica.
Difícil arcádia.

Lilá Moritz Shwarcz é professora livre-docente no departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo e co-autora de O Livro dos Livros, da Real Biblioteca, Edições Biblioteca nacional, 2003.


Resposta de Pedro Menezes ao Artigo da
professora Shwarcz
da revista Nossa História nº 4.
UMA TELA, DOIS OLHARES:

Mais uma vez, aprendo muito com essa estudiosa de nosso. Passado. Não posso, contudo, deixar de registrar como diferentes olhos. Percebem diversamente a mesma imagem.

Não tenho de forma alguma a pretensão de discordar das observações da autora sobre o bonito quadro de Taunay. Apenas ofereço a visão de alguém que não vê a tela sob a mesma perspectiva da historiadora.
Tendo percorrido as trilhas da Floresta da Tijuca durante mais de vinte anos e tendo sido seu diretor-executivo durante o biênio 1999-2000, fui ao longo de minha vida colecionando livros, artigos e produções de telas e fotografias relativas à Floresta (e viva a era da reprodutibilidade técnica das obras de arte!).
Assim, diferentemente da historiadora, que analisa o quadro com o olhar de quem conhece a macro-história do Brasil e entende de história da arte, eu vejo a mesmo tela pelo prisma micro de quem estudou história da Floresta da Tijuca e pelo viés da preservação ambiental. Acredito que tanto a visão dela como a minha são válidas.
É interessante,todavia, observar como as conclusões são divergentes. Afinal, como Paulo Micelli mostrou bem seu livro, tudo depende do "ponto onde estamos".

Sempre vi a tela de Taunay, como o retrato feito por um europeu que buscava mostrar a natureza dominada pelo homem.
Entendo a própria escolha da Cascatinha para residência como uma tentativa de Taunay em viver no Brasil no mesmo ambiente agro-pastoril tão valorizado na França de seu tempo. Quando o artista francês elegeu viver na Tijuca, não mais havia ali uma floresta tropical, mas sim uma disciplinada constelação de propriedades cafeeiras; a maioria pertencente a franceses e ingleses recém estabelecidos no Brasil.
Taunay parece ter procurado os altos da Boa Vista para ali também poder plantar, ademais de desfrutar o clima mais ameno da montanha.

Quando Taunay chegou à Cascatinha, a Floresta da Tijuca já não era mais nenhum paraíso natural. Pelo contrário, destacava-se por albergar o que havia de mais avançado no setor agrário em todo o Império.
Acima da Cascatinha, o Conde Gestas plantava café e frutas. Sua residência bem cuidada recebia amiúde visitas do Imperador.
Muito próximo, na Gávea Pequena, estavam as propriedades de Van Mocke e Lescesne.
Gestas chegou ao Rio de Janeiro em 1810, com a idade de 24 anos, e, depois de aconselhar-se com conterrâneos, decidiu plantar café nos arredores da Cidade.
Escolheu para isto um terreno na Serra da Tijuca, onde construiu sua Fazenda que batizou de Boa Vista.
Com o auxílio do trabalho de 17 escravos, plantou café e cana de açúcar, sendo também o responsável pela reforma e alargamento da picada que ligava sua propriedade ao Rio de Janeiro.

O sucesso econômico do conde foi tão grande que atraiu logo outros estrangeiros, entre eles Mocke e Lecesne, além de alguns brasileiros.
Em breve, a Floresta da Tijuca foi sendo posta abaixo e em lugar das árvores foram plantados pés de café. Luccok conta em seu Notas Sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil que, em 1813, "A população crescente da Cidade foi motivo para que muito do seu mato se convertesse em carvão e seu solo se aproveitasse para a produção de um vegetal esculento que medra aí luxuriante".

Tamanha sede de plantar, cedo degradou as encostas das Serras da Carioca e da Tijuca. Para estancar o problema, já em 1817, o Governo Real baixou atos administrativos proibindo a derrubada de árvores nas imediações dos dois principais mananciais de água do Rio de Janeiro, os rios Paineiras e Carioca.

A propriedade de Mocke era considerada modelo de tecnologia aplicada à terra: "o homem domando a natureza". Ernst Ebel, que esteve na Fazenda Nassau na década de 1820, chegou a contar mais de 100 mil pés de café.
Ebel deixou interessante relato dessa visita : "...havia que refazer três quartos do caminho para atingir a Fazenda de van Mook... Ao avistar-se o fundo do vale, surpreende-nos a aparição de várias construções de uma importante fazenda e suas dependências, cujas terras sobem pelos morros em todas as direções...Herr Mook é holandês de nascimento e serviu em 1791 e 92 como médico no exército de seu país, dedicando-se depois ao comércio...estabeleceu-se aqui faz seis anos. Construiu-se uma casa assobradada, ao estilo holandês e seus diversos anexos, em espaçoso e excelente terreno, no qual já plantou mais de 100.000 cafeeiros e continua a expandir-se. Recebeu-nos da maneira mais amável e teve a bondade de mostrar sua propriedade...Completamente secado o café, passa por um moinho que consta de duas rodas maciças de madeira, de meio pé de largura, as quais giram em torno de um eixo sobre um canal circular em que se jogam os grãos...pra tal fim Mook levantou uma sólida construção de pedra e cal...A maquinaria do moinho é especialmente resistente e movida pela água de um riacho que cai em abundância...
Uma grande horta, não longe da residência, produz toda sorte de legumes, excelentes aspargos e couves-flores, de que vendem as sobras na cidade a preços altos.
Noutros lugares planta-se feijão e mandioca para o sustento dos negros... Num espaçoso balcão mostrou-nos Mook sua provisão caseira de pão, por ele mesmo amassado e cozido, sendo excelente como seu próprio queijo.
Bananas-chinesas, repolhos e outros legumes, tudo ali é arrumado com aquela ordem e limpeza tipicamente holandesas.
Um correr de casas decentes, é a senzala dos escravos que lhe fica contígua. Possui Mook um número regular cuja aparência saudável e contente, tal como a numerosa criançada, comprovam o bom tratamento que recebem do senhor.
Em suma, trata-se de uma plantação realmente modelo, merecidamente reputada entre as melhores do país.

O Imperador e a Imperatriz já visitaram-na um par de vezes..."


De fato, ainda hoje, quem visita as matas da Floresta da Tijuca com um olhar crítico, consegue ver que a Floresta-Parque Nacional de nossos dias brota sobre terraços artificiais cortados pelo braço escravo há duzentos anos para o cultivo do café.

A meu olho, então, salta no quadro de Taunay não a natureza, mas sua degradação (ou domesticação, como o artista francês provavelmente via).
Entendo que, embora a natureza ainda estivessse lá, o que mais encantava ao artista não era ela em si, mas sua contextualização em um processo civilizatório trazido àquelas bandas pela mão do empresário europeu.

De volta à tela, em seu lado esquerdo, onde hoje, 143 anos após o reflorestamento empreendido pelo Major Archer, temos uma luxuriante mata, vemos um terrível desmoronamento de terra causado pela supressão da vegetação.
Do outro lado da estrada, Taunay pinta junto a matacões de pedra que fazem parte do mesmo deslizamento erosivo. À frente do artista vemos uma bananeira, espécie exótica que nada tem de mata atlântica e que indica a intervenção do homem em busca da troca da vegetação nativa por árvores frutíferas com valor comercial.
Também a árvore que vemos atrás de Taunay parece ser uma mangueira, originária da Índia, e estranha àquela região; mais um indício de que a área pouco mantinha de natural, pelo contrário, encontrava-se domada. Analogamente, os bois que podemos observar sendo tocados por dois escravos, sobem a estrada em direção ao Alto do Mesquita e ao (atual) Bom Retiro, indicando a existência acima da Cascatinha de pastos ou currais e não de florestas nativas.

Por fim, sempre entendi os escravos retratados na tela como representado o simbolismo do trabalho (ainda que sob a supervisão "benéfica" do homem branco).

Não há no óleo do francês índios, papagaios, cobras, macacos ou as frondosas florestas plenas de cipó tão bem retratadas por Ender e Rugendas e mesmo por seu filho Aimé-Adrien que, a meu ver, são tão representativos do olhar europeu sobre a pujança dos trópicos. Pelo contrário, me parece que Taunay em sua tela quis justamente evitar isso.
Afinal, fez questão de realçar o domínio do homem (ainda que branco) sobre a natureza.
Exagerou o tamanho da ponte em arco sobre o rio Tijuca e teve o cuidado alinhar em perfeita harmonia as rochas que rolaram montanha abaixo (que desastre ambiental!) dando-lhes similitude de meio fio engrandecido da estrada , por onde sobe a boiada.

Outros quadros de Taunay pintados na Floresta parecem ter o mesmo viés europeizante. Em "O Rio de Janeiro visto do Alto da Boa Vista", o artista retrata o panorama sob a perspectiva de um pique-nique da nobreza francesa (provavelmente, os Montbéliard e a Baronesa de Rohan). Em "Nascer do Sol na Floresta", vemos a luz da aurora penetrar por entre uma ramagem arbustiva, fina e devastada, mais para pasto do que para floresta tropical.
O foco principal da luz não está na folhagem mas no couro reluzente de uma manada conduzida ao curral por dois tropeiros a cavalo.

Ao que entendo, em princípios do século XIX, quem desejasse retratar o Brasil sob olhares "selvagens" recorria a périplos à Serra da Estrela ou, ainda, gastava alguns dias na Fazenda Mandioca de Langsdorff.
Um dos que assim procedeu foi Aimé-Adrien, filho do autor, que morreu afogado, ao tentar atravessar um rio em meio a expedição naturalista liderada pelo cônsul da Rússia.

Afora os matos selvagens e longínquos, a família Taunay, cujo nome permaneceu ligado à Floresta da Tijuca fins do século XIX, parece ter mantido a percepção de que uma Floresta domada e disciplinada é a única floresta a que uma nação civilizada deve aspirar.
Nesse sentido, como demonstra Heynneman, a Floresta da Tijuca deveria cumprir a função de oxigenar a metrópole e de ser uma grande área de recreio e lazer para os cidadãos fluminenses.

Após o final do ciclo cafeeiro, quando do reflorestamento da Floresta da Tijuca, iniciado em 1862, o Visconde de Taunay, descendente do artista, chegou a processar o Major Archer, responsável pela empreitada.
Na reconstrução da Floresta, o Major dera preferência a espécies nativas de Mata Atlântica, cujas mudas mandava buscar em Guaratiba. Queria o major reconstruir a natureza tal como era antes.
A doutrina deixada pelo velho Taunay preferia o estilo do sucessor de Archer, Escragnolle. Estava mais afinado com o ideal da floresta domada, tão em voga na Europa desde os tempos do patriarca Nicolas Antoine.
Na administração Escragnolle, que chegou a ser auxiliado por ninguém menos que o próprio Glaziou, cuidou-se do bom estado das trilhas - sinalizadas com graciosas tabuletas brancas- construiu-se pontes, plantou-se espécies ornamentais, inclusive o eucalipto, erigiu-se fontes de mármore e abriu-se belos mirantes, dando às novasatrações nomes sugestivos como caminho da Saudade, cascata Gabriela, ponte dos Suspiros, gruta Paulo e Virgínia - em homenagem aos personagens do romance de Bernardin de Saint Pierre- mirante do Excelsior- em alusão ao poema romântico do americano Longfellow sobre um montanhista.

O reflorestamento passou a ser subordinado às necessidades da beleza e da estética e não mais da simples recuperação ambiental Graças a Escragnolle, louvado pelo Visconde de Taunay como a perfeição em forma de dministrador de parques, hoje podemos percorrer na Tijuca trilhas que não ligam nada a lugar algum.
Foram abertas com o único intuito de prover o visitante com uma caminhada bela. Seu trajeto escolhido pela beleza do traçado, a vegetação que a margeia ali plantada por seus atributos estéticos.

Ao meu olhar, a Floresta da Tijuca real de nossos dias, onde toma-se o plantado por natural e a beleza planejada por obra casual da flora, representa a vitória inconteste e final da visão que Nicolas Antoine Taunay retratou em seu quadro Cascatinha da Tijuca: a da paisagem idealizada transformada em realidade pelo diligente trabalho do homem.


Carta de Pedro da Cunha e Menezes a Gerardo
com a contra-resposta da professora Shwarcz
ao seu escrito Uma Tela Dois Olhares
Prezado Gerardo,
A professora Lilia Shwarcz respondeu à minha carta.
Como imagino que, talvez, a resposta te interesse, a copio abaixo para seu conhecimento.
Caso a revista publique a carta em sua próxima edição será que você poderia me avisar?
desde já, obrigado e um forte abraço,
Pedro

"Uma tela, três ou quatro olhares"

Lindo o comentário de Pedro da Cunha e Menezes; na verdade um belo artigo.
A interpretação de Menezes é em muitos aspectos diferentes da minha: ao invés dos trópicos agitados, encontra civilização; no lugar do desconforto da escravidão vê ai um símbolo do trabalho; os bois não representam a arcádia mas a floresta que já foi desmatada.

No entanto, antes do que discutir cada tópico (o que de fato não interessa) me parece mais instigante pensar de que lugar cada um de nós fala.
Pedro Menezes fala como um expert em história da Floresta da Tijuca e pelo viés da preservação. Já a minha posição é mais ambígua: talvez uma estudiosa de arte neo-clássica e do período.
Mas o debate lembra mais: quem sabe eu esteja falando informada, também, por um viés formalista, e Pedro Menezes por um enfoque exclusivamente historicista. Ou talvez ambos estejam falando dos dois lugares.


E esse debate é antigo. Há alguns anos atrás entrou em voga o suposto de que as temáticas das pinturas eram de menor importância: tudo o que importava era a forma (mais conhecida como "forma significante") e a cor.
Essa interpretação começou a sofrer um grande abalo a partir das teorias de Aby Warburg e de seu grupo de scolars que retornaram ao tema do significado e à história propriamente dita, sem negar a importância da forma.

E meu interesse foi justamente, informada pelas teorias formalistas, recuperar uma certa historicidade e um "desencontro cultural" presentes na tela analisada: perspectiva que nos aproximaria, também, dos trabalhos de Warburg.
No entanto, com o intuito de melhor definir os objetivos do meu artigo, vale a pena apenas delinear uma discussão mais abrangente, no campo da história da arte, que vem opondo autores como E. H. Gombrich a A Warburg. De um lado estaria a história e o contexto e de outro, a estrutura e a morfologia. Definido como um debate entre formalistas e historicistas a questão tem levado antes à dicotomia e menos a uma reflexão sobre a convivência dessas duas possibilidades.

De um lado da contenda estaria a produção de críticos da arte como Alois Riegl, Hildebrand, Wolfflin e mesmo Warburg; um dos fundadores da história estilística e dos supostos historicistas, que vinculam de forma estreita a produção artística a seu contexto. De outro, estariam os formalistas, como Gombrich e André Malraux, que parecem entender que as telas devem muito mais a outras telas do que a seu momento histórico.

Não é o caso de entrar nesse debate teórico, mas antes de mostrar suas potencialidades para a nossa discussão. No nosso caso, também, sem opor as duas vertentes, seria possível perceber como a tela dialoga com seu contexto (quem sabe com o problema ambiental), também dialogando entre si (com outras telas neoclássicas e do próprio Taunay).
Ora, não há como negar que os pintores neoclássicos copiavam - mesmo porque fazia parte dessa escola copiar.

Assim nem tudo era só realidade e observação.
Isso sem esquecer do papel da alegoria que, nesse contexto, era quase um texto escrito, uma vez que sua definição identifica a personificação abstrata construída para combinar com um sentido estabelecido a priori. De tão divulgada a iconologia e a alegoria chegavam a ser consideradas, em finais do XIX, como linguagens universais que permitia com que as imagens fossem entendidas de forma "clara, expressiva e eloqüente".
Ai estava o "texto" alegórico, que tinha a capacidade de incluir valores numa linguagem abstrata e partilhada por alguns, mas lida por muitos.
Por isso mesmo, os animais viram alegorias (os bois no nosso caso) e as cenas citações (as árvores não são só bananeiras e os escravos não simbolizam só o trabalho), sendo difícil simplesmente desconhecer "a forma" e a análise sincrônica.

De outro lado, porém -- e aí estaria a novidade dos quadros de Taunay nos trópicos --, seria possível inserir suas obras em um contexto mais imediato: a elevação de uma corte transmigrada, "incivilizada" e carente de modelos de nacionalidade. Além do mais, nada como pensar nas potencialidades da arte quando aliada a projetos políticos. Pode-se dizer que quando vinculadas à política dos homens as imagens mudam.



Mesmo que individuais (e parte de um projeto individual) se tornam coletivas, quando materiais viram ideais, quando inconscientes e involuntárias se transformam em estado voluntário e consciente.
E ai está a grande contribuição da posição de Menezes. A mata, como objeto histórico pode estar lá apenas para realçar o domínio do homem.
Mas só? Então porque Taunay surgiria tão diminuto frente à imensidão dessa floresta que pretendia controlar, ou da civilização que vislumbra?

Enfim, uma tela como essa vale mesmo duas, três, quatro e muitas interpretações.

Lilia Moritz Shwarcz


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