Naufrágio português na costa do Rio de Janeiro
pode esconder tesouros



Debaixo de toneladas de lixo e lodo, na baía carioca, pode estar um dos naufrágios mais ricos do Brasil: a nau portuguesa Rainha dos Anjos, que explodiu no século 18 com um valioso carregamento chinês

Nos séculos XVII e XVIII, o Brasil era a uma das mais importantes rotas marítimas coloniais. A localização geográfica, fez com que o Rio de Janeiro se tornasse um ponto de parada para navios que faziam o percurso da Ásia à Europa.

O Rainha dos Anjos, navio do século XVIII armado com 55 canhões, partiu da China rumo a Lisboa contendo além da carga geral, presentes da corte chinesa para o Papa Clemente XI, e o Rei de Portugal, D. João V. destes, vidros e porcelanas de interesse histórico excepcional, fabricados na oficina do Palácio Imperial.

Ele partiu de Macau rumo à Europa em 9 de dezembro de 1721. As peças confeccionadas pela equipe de jesuítas na oficina do palácio de Beijing, se encontram até hoje em algum lugar da Baía de Guanabara.

Em sua escala no Rio de Janeiro, o navio foi a pique por uma circunstância bastante prosaica: uma vela fora esquecida acesa em seu porão causando um incêndio, que apesar dos danos não deixou vítimas.

Atualmente existe uma pesquisa para sua localização e futuro resgate.

A pesquisa foi bastante elaborada, contando com experts como Denis Albanese (que vem pesquisando esta nau há 20 anos) e Emily Byrne Curtis, referencia em vidros e porcelana e historiadora americana, que aponta algumas curiosidades do período em que o imperador chinês Kangxi ( 1662 a 1722 ) esteve no poder.

Todavia, o trânsito de navios nesta baía sempre foi muito intenso e os 300 anos numa área portuária fizeram de suas águas e seu fundo um lugar com muito lixo. Além disso, há vários esgotos que por ali desembocam. Tais fatos deixam a procura ainda mais instigante e exige dos envolvidos muito conhecimento de causa.

Os organizadores confeccionaram um livro tendo como principal foco o registro histórico. A iniciativa é uma parceria da agência Media Mundi, com Denis Albanese, realizador de vários resgates na costa brasileira; que tem entre seus feitos a descoberta do Wakama. O detalhe é que quando descobrira o navio, ao largo de Búzios, Albanese utilizou apenas uma pequena embarcação para encontra-lo. Loic Gosselin, Diretor Executivo da Media Mundi, faz questão de salientar a importância do que seria o resgate da carga da Rainha dos Anjos para o país.

“Esta é uma oportunidade única de resgatar o patrimônio histórico da Baía de Guanabara”, diz.

A mais recente descoberta histórica contada no livro, é a existência de um tal de Jorge Mainart, contratado pela coroa Portuguesa na época do naufrágio, para resgatar o que podia se salvar da carga, e principalmente os canhões, devido ao seu valor na ocasião. Mainart nunca entregou os achados ao seu empregador... E assim, a maior parte da carga com destino a Portugal e Vaticano, foi deixada e permanece até hoje no fundo do mar.

"Sabemos que o navio explodiu e que tinha 55 canhões, a maioria em bronze. Além disso, o Rainha trazia, como de costume, uma carga muito importante de porcelana de encomenda”, explica Albanese com a carisma de quem doou uma participação substancial de todo material de naufrágios encontrado por ele no Brasil, ao Museu da Marinha do Rio de Janeiro.

“Com a explosão, uma parte foi quebrada e produziu milhares de cacos. Então, se nós encontrarmos uma quantidade grande de cacos saberemos que estamos perto", completa Albanese.

Em 17 de junho de 1722, ouviu-se um enorme estrondo em uma nau ancorada na baía de Guanabara, entre a ilha das Cobras e o antigo Forte de São Tiago, na atual praça XV, centro do Rio de Janeiro. O capitão do navio preparava-se para um jantar no Mosteiro de São Bento quando um marinheiro esqueceu uma vela acesa nas proximidades do compartimento de estoque de comidas, iniciando um incêndio. O fogo atingiu os barris de pólvora guardados no porão e a embarcação explodiu. Partida ao meio, afundou, levando consigo um tesouro hoje estimado em 1 bilhão de reais. Por sorte, ninguém morreu. Era o fim de uma história de oito anos e o começo de outra, que já dura quase três séculos: a busca pelas preciosidades da Rainha dos Anjos.

A grande nau, procurada hoje por caçadores de tesouros de todo o mundo, era uma embarcação de guerra portuguesa armada com 56 canhões. "Há uma certidão da Alfândega de Lisboa, de 6 de julho de 1722, em que a Coroa contrata um sujeito chamado Jorge Mainarde para fazer o salvamento do que fosse possível da Rainha dos Anjos", afirma o biólogo e mergulhador Marcello De Ferrari, pesquisador que mantém um site sobre naufrágios. "Esse contrato vai até 24 de junho de 1724. Ou seja, durante quase dois anos foi feita a exploração dos restos do navio, com os búzios, como também são chamados os mergulhadores, que podem ter tirado grande parte dos tesouros dali."

Os búzios, na época, desciam a 18,20 m de profundidade. Voltavam à superfície várias vezes para retomar o fôlego e mergulhar de novo. Mas, se sobraram objetos na nau, é bem possível que estejam intactos. Inclusive 136 vasos de porcelana e vidro esmaltado da era Kangxi (1661-1722) - hoje só há dois vasos do período, em museus de Pequim e Taipei - e, possivelmente, diversas joias e barras de ouro. Acredita-se que os vasos eram meticulosamente embalados para resistir às mais diversas provações e por isso estariam inteiros. "Mesmo que só haja cacos, eles são um tesouro arqueológico imensurável. A exploração na época do naufrágio não tinha os recursos atuais. Certamente ainda há muita coisa lá embaixo", diz Ricardo Joppert, doutor em estudos sobre o Extremo Oriente.

A costa brasileira tem mais de 8 mil navios afundados, muitos com tesouros de valor incalculável. Em cada embarcação que foi a pique, encerra-se uma espécie de cápsula do tempo da época do desastre. As promessas de riqueza da Rainha dos Anjos são das que atraem mais curiosidade e cobiça - potencializadas pelo anúncio, no fim de 2009, do encontro de dois fragmentos de madeira a cerca de 80 m da ílha das Cobras. O mergulhador José Eduardo Galindo, presidente da Sociedade Angrense de Pesquisa Subaquática, participa de sondagens no local desde 1997 e acredita que a madeira pertence à Rainha dos Anjos. "É madeira antiga, que encontrei no contorno da ilha Fiscal, em frente à praça XV", afirma, referindo-se ao ponto da baía de Guanabara onde se imagina que os restos da nau repousem.

Carregamento diplomático

Quando saiu em sua viagem inaugural, em 1714, a embarcação não estava carregada de ouro e porcelana. Entre 1716 e 1718, a Rainha dos Anjos fez parte da tropa portuguesa que enfrentou a armada turca no cabo de Matapan, ao sul do Peloponeso (veja à dir.), e foi comandada pelo infante dom Francisco, irmão do rei dom João V. Dois anos depois, a nau foi escolhida para levar o monsenhor Carlo Ambrogio Mezzabarba a Macau, colônia portuguesa incrustada na China e dominada por Kangxi, terceiro imperador da dinastia Qing (1644-1912), de origem manchu.

As relações entre o imperador e o Vaticano não eram das melhores desde 1705. Na época, o papa Clemente XI enviou à China o religioso italiano Maillard de Tournon com a intenção de espalhar por lá a fé católica. Kangxi, ao saber que a Santa Sé reprovava os rituais religiosos chineses, mandou prender o italiano. Tournon acabou morrendo na China, atrás das grades, em 1710. Mas o papa nomeou Mezzabarba como novo enviado diplomático e missionário e ele conseguiu mudar a situação. Depois de passar quase dois anos por lá e conquistar a confiança do imperador, fez sua viagem de retorno com inúmeros presentes para o sucessor de Clemente, Inocêncio XIII, e para dom João V.

A viagem começou em dezembro de 1721, quando a Rainha dos Anjos saiu de Macau. Depois de parar na Índia, onde embarcou o corpo de um governador português conservado num barril de vinagre, e no Cabo da Boa Esperança, a nau fez sua escala no Rio. De lá, seguiria para a Bahia e para o seu destino final, Lisboa. "A costa brasileira é riquíssima em naufrágios porque era a encruzilhada do mundo. Para ir da Europa ao Oriente, à África ou à Índia, passava-se por aqui", diz o almirante Armando Bittencourt, diretor do Patrimônio Histórico e Cultural da Marinha do Rio de Janeiro, órgão que já contabilizou 48 naufrágios na baía de Guanabara. A Rainha dos Anjos parou na baía no dia 15 de maio de 1722. Dali, não saiu mais.

Logo após a descoberta dos fragmentos de madeira, houve um burburinho a respeito de investidores ávidos pelas riquezas que podem ser encontradas. E também a reprovação de alguns arqueólogos e estudiosos. "Essa forma de exploração, feita apenas para tirar as coisas do navio, destrói a cápsula do tempo", afirma Bittencourt. "Um barco naufragado é um microcosmos social. Não é uma galinha dos ovos de ouro", diz o arqueólogo marinho Gilson Rambelli, da UFSE. "Imagine o que uma embarcação europeia do século 18, vinda da China, tem a oferecer. Quando se estuda um navio como a Rainha, há indícios desde sobre como era o cotidiano da embarcação até sobre a engenharia naval do período." Joppert usa o mesmo argumento para defender a exploração da nau. "Pode ser a descoberta arqueológica mais importante do Brasil", afirma, empolgado.

Resgatar a embarcação, porém, requer um altíssimo investimento. O navio está soterrado sob detritos e cerca de 3 m de lodo, o que torna a operação de dragagem complicada e cara. Segundo Galindo, seriam necessários cerca de 200 mil euros para desenterrar parte do navio - e mais de 1 milhão para trazê-lo à tona. Isso se ele estiver realmente naquele ponto. Se não estiver, o dinheiro seria gasto em uma busca infrutífera. Além disso, a exploração deve ser autorizada pelo Ministério da Marinha e algum arqueólogo deve assinar o projeto. Isso feito, a exploração deve seguir uma lei federal que determina que objetos de valor histórico ou artístico encontrados em território nacional devem permanecer no Brasil - mas autoriza os descobridores a receber até 40% do valor dos achados. Há mais de 1,3 mil naufrágios de interesse histórico contabilizados pelo governo (leia à pág. 54). Apesar das restrições legais, moedas, garrafas e outras relíquias resgatadas dessas embarcações são comercializadas livremente, inclusive pela internet. A maior parte das peças não tem o devido atestado de liberação da Marinha, que dispõe de apenas 29 navios para patrulhar eventuais explorações clandestinas.

"O charme da Rainha dos Anjos é que ela veio para o Brasil cheia de riquezas. Além dos vasos antigos, tinha os canhões e cerca de 800 tonéis de azeite. Um astrolábio daquela época custa cerca de 250 mil reais e a nau devia ter uns oito", afirma José Góes de Araújo, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. Apesar de registrar naufrágios desde o século 16, a exploração organizada dessas embarcações no Brasil, com a participação de arqueólogos, começou apenas nos anos 1970. Como se vê, a Rainha dos Anjos é só uma pequena amostra dos segredos (e tesouros) submersos na costa brasileira.



http://www.naufragios.com.br/rainha_dos_anjos.htm Flávia Ribeiro | 01/02/2011 16h6 Site www.naufragios.com.br Relata naufrágios históricos nacionais e internacionais. É mantido pelo mergulhador Marcello De Ferrari.









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