Dom Pedro II e Princesa Isabel
De pai para filha


Capítulo Inédito de 1889 - Por que um imperador culto, que afastou o Brasil do rumo
dos caudilhos e das ditaduras sul-americanas, não foi capaz de assegurar a sucessão
da princesa que aboliu a escravidão
Fonte-Pesquisa transcrita: Wagner Gutierrez Barreira em 08/01/2014



Um enigma desafia até hoje historiadores e estudiosos da Proclamação da República no Brasil. Apesar das evidências de uma conspiração em andamento, o governo imperial permaneceu inerte. Nos dias anteriores ao golpe republicano, o imperador Pedro II comportou-se o tempo todo como se ameaça alguma rondasse o trono. A seu ver, estava tudo tão absolutamente calmo que julgou desnecessário reunir-se com qualquer membro do governo nos dias que antecederam a queda do Império. Nenhum de seus ministros, por sua vez, preocupou-se em alertá-lo sobre os insistentes boatos que tomavam conta da cidade e sobre o óbvio clima de agitação nos quartéis. Proclamada a República, nenhum comandante de armas ou governador de província saiu em defesa da Monarquia. As reações foram raras e isoladas, na maioria dos casos nas camadas mais humildes da população, que, obviamente, não tinham meios para contrapor-se ao fato consumado. Como explicar tamanha apatia?

Max Leclerc, jornalista francês que percorria o Brasil na época, registrou: "A revolução está terminada e ninguém parece discuti-la. Mas aconteceu que os que fizeram a revolução não tinham de modo nenhum a intenção de fazê-la e há atualmente na América um presidente da República à força. Deodoro desejava apenas derrubar um ministério hostil. Era contra Ouro Preto e não contra a Monarquia. A Monarquia caíra. Colheram-na sem esforço como um fruto maduro. Ninguém levantou um dedo para defendê-la".

Mais adiante, falando da verdadeira causa da queda do Império, Leclerc afirmou que a própria Monarquia, obsoleta e incapaz de se reinventar, fora decisiva para o triunfo republicano: "O edifício imperial, mal construído, edificado para outros tempos e outros destinos, já não bastava às necessidades dos novos tempos. Incapaz de resistir à pressão das ideias, das coisas e dos homens novos, já se tornara caduco e tinha seus alicerces abalados".

Ninguém simbolizava mais esse quadro de letargia e torpor do que o próprio monarca. No crepúsculo do Segundo Reinado, um dom Pedro II doente, cansado e "velho antes do tempo", como definiu o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, nem de longe lembrava a figura poderosa e carismática que por quase meio século conduzira com firmeza, paciência e sabedoria os destinos da nação. Confrontado com o avanço da propaganda republicana e a indisciplina nos quartéis gerada pela Questão Militar, parecia incapaz de exercer a liderança que o momento exigia. "O imperador cada vez mais esquecido das coisas presentes e alheio aos assuntos políticos", anotou o visconde de Taunay em seu diário de 19 de abril de 1889.

Dom Pedro II era um homem frágil, na juventude sujeito a frequentes ataques de epilepsia e, a partir da meia-idade, vítima de diabetes. Os problemas de saúde se agravaram muito nos dois anos finais do seu reinado. Em fevereiro de 1887, enquanto assistia a um concerto no Hotel Bragança de Petrópolis, foi atacado por uma dor de cabeça tão forte que se viu obrigado a se retirar do camarote em que estava. O desconforto persistiu por dois meses. Em abril, os médicos diagnosticaram um ataque de febre palustre, agravado pelo avanço do diabetes. Sua memória ficou bastante abalada. Alguns auxiliares chegaram a suspeitar que estivesse perdendo a sanidade mental. A princesa Isabel, que se encontrava na Europa, foi chamada a voltar às pressas ao Brasil. "Fiquei muito mal impressionado com o aspecto do imperador", escreveu o barão Von Seiller, representante da Áustria no Rio de Janeiro. "Envelheceu muito, está magro, o rosto abatido e não tem a mesma alegria de antes. Dá a impressão, às vezes, de que tem dificuldade em falar. Em suma, é um homem doente."

O quadro pareceu tão grave que os médicos aconselharam tratamento na Europa. Embarcou no dia 30 de junho de 1887, em companhia da imperatriz e do neto Pedro Augusto, enquanto a princesa Isabel assumia a regência pela terceira vez. Na sua ausência, de um ano e dois meses, era tal a convicção de que o imperador não retornaria com vida que, em artigo no jornal O País, o jornalista republicano Quintino Bocaiúva referiu-se ao navio que o transportava como "esquife da Monarquia". Na Europa, dom Pedro II ficou aos cuidados dos professores Charles Bouchard e Jean-Martin Charcot, duas sumidades médicas. Internado durante dois meses em uma estação de águas terapêuticas na Suíça, pareceu se recuperar. Na manhã de 3 de maio, no entanto, teve uma súbita recaída em Milão. Chamado às pressas, seu médico particular, Claudio Velho da Mota Maia, registrou que o aspecto de dom Pedro era assustador. Prostrado na cama do hotel, parecia agonizar. Chegou a receber a extrema-unção de um padre convocado às pressas, enquanto os médicos lhe aplicavam injeções de cafeína, um poderoso estimulante.

A situação era tão delicada que, ao receber o telegrama do Brasil com notícia da aprovação da Lei Áurea, a imperatriz Teresa Cristina inicialmente relutou em mostrá-lo ao marido. Temia que a emoção pudesse agravar-lhe o estado de saúde. Por fim, decidiu que era melhor contar logo as novidades que ele esperava havia muito tempo. Dom Pedro II abriu lentamente os olhos e mal teve forças para perguntar:

- Não há mais escravos no Brasil?

- Não há - respondeu a imperatriz. - A lei foi votada no dia 13; a escravidão está abolida.

- Demos graças a Deus - murmurou dom Pedro. - Grande povo! Grande povo!

E desatou a chorar copiosamente.

Ao retornar da Europa, em agosto de 1888, tinha a aparência de inválido, sem ânimo para nada e incapaz de conduzir os destinos da nação. "Todo o sistema de governo, que durante quarenta anos dependera da orientação e da inspiração do imperador, perdeu o rumo nos meses que se seguiram ao seu retorno", observou o historiador britânico Roderick J. Barman. "Aos 62 anos", relatou Heitor Lyra, biógrafo de Pedro II, "dava a impressão de um homem velho de corpo e de espírito, com a aparência de um ancião, barba e cabelos embranquecidos, andar pesado e arrastado - o todo um ar de homem cansado."

Tornou-se forte o rumor de uma abdicação em favor da princesa Isabel, o que, por sua vez, só fez aumentar a resistência a um eventual terceiro reinado, pelas suspeitas que a princesa e o marido despertavam entre boa parte da elite brasileira. Uma hipótese muito discutida foi que a própria Isabel também abdicaria em favor do sobrinho, o príncipe Pedro Augusto, filho de sua falecida irmã Leopoldina. Afastaria assim o risco de que o trono brasileiro fosse ocupado, indiretamente, por um estrangeiro, o francês conde d'Eu.

As preocupações a respeito da saúde do imperador e sua capacidade de conduzir os destinos da nação eram partilhadas na família real. "Nunca, nos últimos 40 anos, a situação da Monarquia brasileira pareceu mais instável do que hoje", escreveu o conde d'Eu numa carta ao pai, o conde de Nemours, em 23 de agosto de 1888. "O declínio da Monarquia não faz senão se acentuar cada vez mais", anotou em outra carta, de novembro do mesmo ano. "O imperador, por maior que seja a sua boa vontade, já é incapaz de governar como governava antes de adoecer."

Em maio de 1889, o conde d'Eu anunciou que faria uma longa viagem às províncias do Norte e do Nordeste. O objetivo era defender o Império contra os ataques cada vez mais agressivos dos republicanos. Dificilmente haveria pior garoto-propaganda para a Monarquia. O conde viajou sozinho, deixando a princesa Isabel no Rio de Janeiro. Os críticos viram nisso a prova de que, na eventualidade de um terceiro reinado, seria ele o verdadeiro imperador do Brasil. Ciente da impopularidade do adversário, o advogado Silva Jardim decidiu sair-lhe ao encalço. Aonde fosse o conde, lá estaria também o mais radical dos propagandistas republicanos. Por coincidência, embarcaram no mesmo navio. O conde foi recebido com festas em todas as cidades, mas logo se confirmou a sua falta de habilidade política. Em discurso premonitório no Recife, afirmou que, se a Monarquia fosse derrubada pela República, a família imperial teria de deixar o Brasil. A declaração causou polêmica no Rio de Janeiro. Enquanto isso, Silva Jardim enfrentava problemas com a polícia em meio a manifestações a favor e contra o Império.

No dia 15 de julho, quando a família imperial saía do teatro no Rio de Janeiro, alguém gritou "Viva a República!". Em seguida, ouviu-se um tiro de revólver, que teria passado de raspão no coche de dom Pedro II. O autor do disparo, o português Adriano Augusto do Vale, preso em seguida, era um caixeiro desempregado, sem qualquer ligação com o movimento republicano. No momento da prisão, estava embriagado, na porta de um bar onde, diante dos fregueses, vangloriava-se em alta voz de haver atirado contra o imperador, prometendo voltar à carga visto ter errado o alvo. Era um caso banal, mas serviu de combustível no clima de radicalização reinante na cidade. Em resposta ao suposto atentado, o chefe da polícia do Rio de Janeiro, conselheiro José Basson de Miranda Osório, publicou um edital proibindo qualquer pessoa de dar vivas à República, medida que logo caiu em descrédito.

Enquanto isso, o governo perdia apoio também no Congresso. Às vésperas da viagem do conde d'Eu, caiu o ministério de João Alfredo Correia de Oliveira, responsável pela aprovação da Lei Áurea. Em seu lugar assumiu o visconde de Ouro Preto, chefe do último gabinete do Império. Aos 52 anos, deputado por Minas Gerais desde 1864, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, era o candidato favorito da princesa Isabel. Todos viam sua chegada ao poder como uma preparação para o impopular terceiro reinado.

Antes de Ouro Preto, dom Pedro II tentara convencer o liberal baiano José Antonio Saraiva a assumir o posto. Saraiva recusara alegando problemas de saúde, mas teve a coragem de entabular com o imperador uma conversa franca a respeito do que, na sua opinião, viria a ocorrer nos meses seguintes. Na sua opinião, a República parecia inevitável. Era preciso preparar o país para recebê-la. Preocupava-o a possibilidade de anarquia e derramamento de sangue numa eventual mudança de regime pela via revolucionária. Sugeriu que, por precaução, o governo tomasse a iniciativa de propor reformas para atender a algumas reivindicações republicanas, como a federação, de modo a tornar a transição o menos dolorosa possível.

- E o reino da minha filha? - perguntou-lhe o imperador.

- O reinado de vossa filha não é deste mundo - teria lhe respondido o político baiano, fazendo ver ao imperador que o "devotamento ao clericalismo" da princesa Isabel e a impopularidade do marido, conde d'Eu, tornavam a hipótese de um terceiro reinado inviável.

Ao assumir o governo, Ouro Preto apresentou ao Congresso um ambicioso programa de reformas. Propôs o fim da vitaliciedade no Senado, a redução dos poderes do Conselho de Estado, que passaria a ser um órgão meramente administrativo, sem funções executivas, a eleição das autoridades municipais, a escolha dos presidentes e vice-presidentes das províncias entre os candidatos mais votados (e não mais por mera indicação do imperador), o sufrágio universal, liberdade de culto, reforma no sistema de educação a fim de estimular a iniciativa privada. "A situação do país define-se, a meu ver, por uma frase: necessidade urgente e imprescindível de reformas liberais", resumiu o novo chefe do gabinente.

À primeira vista, era um programa ousado, mas na prática tratava-se da mesma proposta apresentada duas décadas antes pelo mesmo Partido Liberal agora comandado por Ouro Preto, sem nunca ter sido colocada em prática. Para os republicanos era mais uma cabal demonstração de que o Império não seria capaz de reformar-se a si mesmo, travado pelas suas próprias forças internas, uma prova de que só a mudança de regime poderia levar o país adiante. Por essa razão, ao ouvir o discurso de Ouro Preto, Pedro Luiz Soares de Sousa, deputado conservador pelo Rio de Janeiro, levantou-se e gritou:

- É o começo da República!

Ao que o ministro retrucou:

- Não, é a inutilização da República.

Ou seja, até aquele momento Ouro Preto ainda acreditava que o Império teria condições de atender às reivindicações que vinham das ruas e, dessa forma, assegurar a própria sobrevivência, pelo menos por mais algum tempo. Foi desmentido pelos acontecimentos das semanas seguintes.

Irritado com a apresentação do programa de reformas dos liberais, o deputado conservador Gomes de Castro, do Maranhão, apresentou uma moção de desconfiança ao ministério, que foi aprovada por 79 votos contra 20. "O resultado da votação testemunhava a incapacidade dos grupos dominantes de aceitar a mudança e as reformas necessárias", observou a historiadora Emília Viotti da Costa. Durante os acalorados debates, dois deputados - o advogado Cesário Alvim, de Minas Gerais, e o padre João Manuel de Carvalho, do Rio Grande do Norte - subiram à tribuna para fazer profissão de fé republicana.

- Não nos iludamos, a República está feita - afirmou João Manuel. - Ela existe de fato em todos os espíritos, em todos os corações brasileiros.

Diante do impasse produzido pela moção de desconfiança, o imperador decidiu, pela última vez nos 67 anos da Monarquia, dissolver a Câmara e convocar novas eleições, em uma tentativa de recompor a base aliada no Parlamento. Realizado em 31 de agosto, o pleito, de fato, conferiu maioria esmagadora ao partido do governo, como tinha acontecido ao longo de todo o Segundo Reinado. Desta vez, no entanto, os novos deputados não teriam tempo de assumir seus mandatos.

A República chegaria antes.




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